Bonga
Músico angolano Bonga Kuenda a tocar rebita num concerto

(05/09/1942)

Bonga - Algumas frases e pensamentos

“Toda a cultura angolana esteve sob domínio português. As línguas tradicionais foram banidas, assim como a música africana. Não tínhamos armas para lutar, então organizámos a resistência cultural, principalmente formando grupos folclóricos, inclusive o Kissueia, minha primeira banda.

Com Kissueia, cantei canções que reviveram formas africanas ancestrais e cujas letras remetiam claramente à conturbada situação da época, pobreza, violência colonial e revolta latente.” Bonga

 

Comecei minha carreira como cantor de protesto. Critiquei primeiro os portugueses e depois o meu próprio povo. O povo acabou por perder. Angola tem uma riqueza incrível. Hoje, o objectivo é a felicidade. Eu não quero entrar na política. Sou muito autêntico no que digo. Não sou o tipo de pessoa que fica à espera da liberdade acontecer.” Bonga

 

Angola é independente há 40 anos e Bonga viveu todo o processo — o antes, o durante e o depois —, ora de forma próxima, ora à distância, fruto da sua condição de emigrado na “estranja”. A sua música foi e será sempre um comentário e uma reflexão sobre a condição angolana, sobre aquilo que permanece de imutável no espírito das suas gentes e sobre aquilo que a realidade vai mudando: a colonização, a independência, a guerra civil e a incompleta ideia de democracia que se lhe seguiu.” Excerto do artigo “Bonga, Coração angolano, voz de musseque”, de Mário Lopes, 2015, Jornal “Público”.

 

Tendo quebrado fronteiras físicas e musicais com canções e músicas que agradam à maioria, Bonga é o um representante de uma “africanidade” sublimada e a voz de uma Angola moderna e pacífica.

 

” Bonga é uma das figuras mais influentes da música angolana, das últimas décadas. Possuidor de um timbre de voz rouca e inconfundível, a sua poderosa e portentosa capacidade vocal, toca-nos e emociona-nos profundamente”. (Flora Neves)

Estilos musicais

Semba, Rebita, Merengue, Kilanpa

História Pessoal

José Adelino Barceló de Carvalho (Bonga), nasceu no dia 5 de Setembro de 1942, em Porto de Kipiri, na província do Bengo, Angola.

Filho de pais angolanos, Ana Raquel de Carvalho e, Pedro Moreira de Carvalho, Bonga teve oito irmãos (foi o terceiro de nove).A sua infância foi passada em bairros como os Coqueiros, Ingombotas, Bairro Operário, Rangele Marçal.

Zeca, era a forma como era carinhosamente tratado pela família, e foi com o seu pai que desenvolveu o gosto pela música, tendo cedo aprendido que poderia usar a música como forma de intervenção e luta.

Juntamente com os irmãos acompanhava o pai, tocador amador de concertina, raspando a dicanza (equivalente ao reco-reco português), instrumento este que se tornaria uma das suas imagens de marca.

Na adolescência, já demonstrava uma consciência profunda da realidade em que vivia, tendo o seu crescimento ficado marcado pelo período de agitação política e domínio colonial Português.

 

A colonização marginalizava-nos nos musseques, nos bairros mais pobres onde faltava electricidade e água, onde faltava tudo. Eu fui uma das crianças desses sítios. Tínhamos de ir buscar água, porque não tínhamos torneira em casa.

A electricidade era aqueles candeeiros com chaminé ou a candeiazinha a óleo de palma. Estamos a falar dos anos 1940 e dos anos 1950. Fomos evoluindo calmamente, acompanhando aquilo que tinha que ver com a nossa identidade, porque demo-nos conta de que quem mandava no país era um estrangeiro, o colono.” (Bonga,2015, em entrevista ao jornal “O Público”.)

 

Neste contexto, desenvolveu-se nos bairros onde morou, um ambiente propício ao surgimento de músicas tradicionais angolanas, bem como à sua preservação, sendo este tipo de manifestações culturais marginalizado pelo regime colonial.

 

Assim, Zeca Carvalho, ainda adolescente, ajudou a fundar grupos de folclore angolano com destaque para os “Kimbandas do Ritmo” e os “Kissueia”.

Aqueles anos de formação foram determinantes na sua vida. Percorrendo bairros como o Marçal, Coqueiros ou o Bairro Operário, ia tendo consciência cada vez mais plena das injustiças e desigualdades criadas pela colonização.

 

Percorrendo-os, o seu olhar atento absorveu os rituais de vida e a cultura transmitida de boca em boca na rua, que defenderá e exaltará até aos dias de hoje.

Entretanto, passou a ter de conciliar a música e o desporto, pois tornou-se atleta do São Paulo do Bairro Operário e depois, do Clube Atlético de Luanda.

 

Foi Campeão em Angola aos 23 anos de idade, tendo conquistado os títulos dos 100, 200 e 400 metros, em atletismo.

Em 1966, o seu talento atlético fez com que viesse para Portugal, onde se tornou campeão nacional dos 400 metros pelo Benfica, tendo detido esse mesmo recorde durante dez anos.

Em Portugal, continuou a acumular a sua actividade de atleta com a de músico (percussionista), tendo acompanhado músicos angolanos radicados em Portugal como Eleutério Sanches,Vum-Vum, Lilly Tchiumba, Teta Lando e Duo Ouro Negro.

 

É provável que alguns leitores tenham memória de ver Rui Mingas, outro músico que fora atleta, no famoso programa da televisão portuguesa (RTP) “Zip Zip”, em que Bonga o acompanhava nos batuques.

 

Com a atitude militante pela causa do seu país bem presente, e apesar do regime restrito salazarista, o seu estatuto de atleta, permitia-lhe movimentar-se com facilidade no estrangeiro, o que lhe permitiu manter contactos e circular mensagens entre combatentes pela liberdade que estavam exilados e compatriotas em Angola.

 

Esta informação chegou ao conhecimento do regime de Salazar e, para evitar as consequências que daí adviriam, Bonga viu-se obrigado a deixar Portugal em 1972, e exilar-se em Roterdão, na Holanda.

De onde vem o nome Bonga?

Já exilado na Holanda, oficializa o nome Bonga, para não dar a conhecer a identidade Barceló de Carvalho. Tinha o receio de, sendo perseguido pela polícia política portuguesa, pudesse ser detido pelas autoridades holandesas e extraditado para Portugal.

 

É assim que surge o nome, que está relacionado com ritmo, musicalidade e também com a necessidade de afirmar as raízes: Bonga Kuenda.

Mas na Holanda, a fome das pistas de atletismo levou-o a treinar e deu nas vistas.

Perguntavam, “Que é isso? Quem é esse gajo que corre desta maneira?”

Pouco depois saía num jornal local, que aquele Bonga era Barceló de Carvalho, recordista português dos 400 metros.

 

Bonga teve receio e fugiu novamente, desta vez para a Alemanha.

Depois da independência de Angola, estabeleceu-se em Portugal, dividindo o seu tempo entre Luanda e Lisboa, possuindo, além disso, uma residência em Paris.

O estatuto que ganhara leva-o a contactar com todos os principais dirigentes da Angola independente, de Agostinho Neto a Jonas Savimbi, passando por Holden Roberto.

bonga

Fonte da imagem: Lusafrica

Carreira Musical

Em 1972, acontece algo de milagroso, em Roterdão. Bonga Kuenda estava em estúdio, com o também angolano Mário Rui Silva e o cabo-verdiano Humberto Bettencourt, e a sua voz revela-se por fim.

 

Após oito horas em estúdio (na editora holandesa Morabeza), nada mais, nada menos, surgiu uma obra-prima: o seu álbum de estreia intitulado “Angola 72”.

“Angola 72”, cantado em quimbundo, é um álbum de uma riqueza interpretativa desarmante, de uma nostalgia desafiante e de uma denúncia consequente.

 

As pessoas sentiam-se representadas nele, conforme se escreveu: é impossível não nos sentirmos representados, mesmo não sendo angolanos, na força da voz, das guitarras e das percussões (tocadas por ele); é impossível não nos sentirmos tocados por aquele jorro de música, tão próxima de tão descarnada, tão à flor da pele.

 

Com “Angola 72”Bonga também percebeu que a voz rouca, que, em pequeno, lhe valera ser dispensado do coro da igreja (“Aqui só voz lírica”, recorda terem-lhe dito), podia, afinal, ser cativante.

 

Mais: aquilo que cantava, e como o cantava, tocou não só os angolanos, cabo-verdianos ou moçambicanos que compreendiam tão bem o que dizia, como outros ouvidos atentos. Da Holanda haveria de saltar para a Alemanha e para a Bélgica e por fim, para a França.

 

Este disco chave tornou-se rapidamente uma espécie de banda sonora para a luta de Angola pela independência. A sua canção estrela foi a emblemática “Mona Ki Ngi Xica”, um lamento de insondável profundidade atlântica.

 

O desejo de viajar levou-o então a Paris, onde gravou um segundo álbum que se revelou tão importante como o primeiro (“Angola 74”), com uma magnífica versão de “Sodade”, e que viria a ser popularizada pela cabo-verdiana Cesária Évora, quase vinte anos depois.

 

Outros destaques são:
– O cantor Bernard Lavilliers, o eterno rebelde, fez uma versão francesa de “Mona Ki Ngi Xica” em dueto com Bonga.

 

– Artistas africanos da nova geração (como Gaël Faye e Lexxus Legal) citam a sua influência e Ana Moura convidou-o a juntar-se a uma homenagem a Amália Rodrigues em Portugal.


– Em 2014, foi distinguido como Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras de França, pelo Estado Francês.

Maiores sucessos

1. Mona Ki Ngi Xica
2. Kisselenguenha
3. Ti Zuela
4. Kambua
5. Mulemba Xangóla
6. Mariquinha
7. Olhos molhados
8. Angola
9. Lamento De Garina
10. Balumukeno
11. Currumba
12. Matutar Na Cachimónia
13. Dendém De Açúcar Valentim
14. Sambila
15. Marimbondo
16. Currumba
17. Paxi ni Ngongo
18. Boto Boto
19. Sodade
20. Kúdia Kuetu
21. Kamacove
22. Makongo
23. Kianje
24. Venda Poro
25. Frutas de Vontade
26. Katendu
27. Brukutu
28. Kimone Amarelo
29. Mulemba Xangola
30. Zé Kitumba
31. Paz Em Angola
32. Moname
33. Kaxexe
34. Incaldido
35. Mulemba Xangola
36. Praça
37. Katendu
38. São Salvador
39. Maiorais

Discografia Bonga Kuenda

1972 – Angola 72
1974 – Angola 74
1988 – “Reflexão” (primeiro disco de ouro e platina atribuído a um músico africano em Portugal).
1994 – Katendu
2000 – Best of Bonga (músicas do Mundo)
2000 – Mulemba Xangola (em dueto com Lura)
2003– Kaxexe
2005 – Bonga Live
2006 – Maiorais
2008 – Bairro
2009 – Best of Bonga
2012 – Reedição Angola 72/74
2012 – Hora Kota (O Tempo dos Anciãos)
2016 – Best of Bonga
2016 – Recados De Fora
2020 – Mona Ki Ngi Xica (Pablo Fierro Remix)
2022 – Kintal da Banda

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